
As redes sociais transformaram a forma como nos comunicamos, consumimos informações e, inevitavelmente, como somos influenciados. Os influenciadores digitais, antes vistos como meros geradores de conteúdo, ascenderam a um patamar de figuras de autoridade e confiança para milhões de seguidores. Essa relação, construída em grande parte pela identificação e pela aparente proximidade, confere a eles um poder imenso – um poder que, como o caso do "Jogo do Tigrinho" e a CPI das Bets têm escancarado, pode ser usado de forma extremamente prejudicial.
A essência do problema reside na diluição das fronteiras entre entretenimento, publicidade e orientação. Quando um influenciador, que tem sua vida e estilo de vida idealizados por sua audiência, passa a promover um produto ou serviço, a mensagem é assimilada não apenas como um anúncio, mas como uma "recomendação" de alguém em quem se confia. E é exatamente essa confiança que tem sido explorada de maneira irresponsável, especialmente no cenário dos jogos de azar online.
O "Jogo do Tigrinho", um entre tantos outros "jogos de cassino online" que prometem ganhos fáceis e rápidos, é um exemplo gritante dessa dinâmica. Influenciadores com milhões de seguidores, muitos deles jovens e em busca de ascensão financeira, utilizam sua plataforma para mostrar "ganhos" exuberantes e "estratégias infalíveis", sem, contudo, alertar sobre os riscos reais e devastadores do vício em jogos. A glamorização do jogo, a ostentação de uma vida de luxo supostamente bancada por esses ganhos, cria uma ilusão perigosa para quem acompanha.
A CPI das Bets, instaurada para investigar as plataformas de apostas e o papel dos influenciadores, tem revelado a extensão desse problema. Milhões de reais em contratos publicitários são pagos a esses indivíduos para que atraiam novos jogadores, muitos dos quais acabam perdendo suas economias, endividando-se e, em casos mais graves, desenvolvendo transtornos de jogo patológico, com sérias consequências para a saúde mental e as relações familiares. A "responsabilidade" da "publi" muitas vezes se limita à simples inserção, sem qualquer preocupação ética ou social com o impacto real na vida dos seguidores.
A questão central é: até onde vai a responsabilidade de um influenciador digital quando sua "influência" se converte em prejuízo direto para seus seguidores? Legalmente, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) já estabelece que a publicidade enganosa ou abusiva é proibida. Influenciadores, ao promoverem produtos ou serviços, podem ser enquadrados como fornecedores por equiparação na cadeia de consumo, o que os sujeita à responsabilidade civil pelos
danos causados por suas divulgações. A omissão de informações cruciais sobre os riscos, a promoção de falsas expectativas e a ausência de transparência sobre o caráter publicitário de suas postagens configuram violações graves.
Além da esfera legal, há uma dimensão ética e social. A busca incessante por engajamento e monetização não pode justificar a irresponsabilidade de se promover algo que, comprovadamente, causa danos financeiros e psicológicos severos. O apelo à "liberdade de expressão" não se sustenta quando essa "liberdade" se traduz em incentivo a práticas que exploram a vulnerabilidade alheia.
Diante do cenário exposto pela CPI e pela crescente preocupação com a saúde financeira e mental da população, a pergunta que se impõe é: Como podemos, como sociedade e como legisladores, redefinir os limites da influência digital, garantindo que o poder de alcance dos influenciadores seja exercido com ética e responsabilidade, protegendo os mais vulneráveis de práticas predatórias e ilusões financeiras?



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