
O fenômeno das bonecas Reborn, com sua impressionante semelhança com bebês reais, trouxe à tona discussões profundas sobre a natureza do afeto, da maternidade e, de forma crescente, os limites que essas manifestações podem encontrar no campo do Direito, em especial no Direito de Família. Embora a maioria dessas "mães" viva seu hobby de forma privada e inofensiva, algumas situações emblemáticas, frequentemente viralizadas, provocam a reflexão sobre até onde a projeção materna sobre um objeto pode impactar a instituição familiar e o ordenamento jurídico.
O Direito de Família, em sua essência, lida com as relações humanas que formam a base da sociedade: casamento, união estável, filiação, guarda, alimentos, herança. Todos esses institutos pressupõem a existência de pessoas naturais, com direitos e deveres intrínsecos à sua condição humana. É aqui que reside o ponto central da questão: uma boneca Reborn, por mais real que pareça e por mais afeto que inspire, é legalmente classificada como um bem móvel, um objeto, e não como um sujeito de direitos.
A manifestação materna com uma boneca Reborn, quando levada a extremos, pode gerar situações que, embora muitas vezes partam de uma genuína necessidade afetiva ou mesmo de um processo terapêutico, esbarram na objetividade do Direito. Pedidos de licença-maternidade, tentativas de registro civil ou de inclusão em benefícios sociais destinados a crianças humanas, e até mesmo disputas judiciais por "guarda" ou "visitação" de bonecas em casos de separação de casais, demonstram essa colisão.
Nesses cenários, a instituição familiar, conforme reconhecida e protegida pelo Direito, não pode ser estendida para abranger a relação com um objeto. O Direito de Família não prevê a "filiação" de uma boneca, nem a "guarda" de um bem móvel com as mesmas prerrogativas de uma criança. Benefícios sociais, como o Bolsa Família, são destinados a famílias em situação de vulnerabilidade com filhos biológicos ou legalmente adotados, visando à proteção da vida e do desenvolvimento humano, e não à manutenção de um hobby ou de um processo afetivo com uma boneca.
A judicialização dessas demandas, embora compreensível do ponto de vista emocional para quem as vivencia, sobrecarrega o sistema jurídico e, em alguns casos, pode desviar o foco de questões sociais urgentes que envolvem crianças reais e suas famílias. Tribunais têm reiterado que a boneca Reborn é um objeto, e quaisquer disputas relacionadas a ela (como em casos de divórcio) devem ser tratadas sob a ótica do Direito das Coisas, como a partilha de bens, e não do Direito de Família. A discussão sobre a "guarda" ou "visitação" de um objeto, nos moldes aplicados a crianças, seria juridicamente impossível.
É fundamental que a sociedade e o próprio Direito compreendam a complexidade emocional que envolve a relação com as bonecas Reborn, muitas vezes ligada a lutos, infertilidade, solidão ou busca por afeto. No entanto, é igualmente crucial que essa compreensão não se confunda com o reconhecimento legal de um status que a boneca não possui. A dignidade da pessoa humana e a proteção integral da criança são pilares do nosso ordenamento jurídico, e a manifestação materna com bonecas Reborn, por mais profunda que seja, não pode minar esses fundamentos.
Diante desse cenário, em que a busca por afeto se manifesta em uma relação tão peculiar, surge a indagação: Como podemos, enquanto sociedade e sistema jurídico, acolher as necessidades emocionais das "mães" de bonecas Reborn, garantindo o respeito ao hobby, sem, contudo, desvirtuar os princípios e a finalidade da instituição familiar e do Direito, que visam proteger a vida e o desenvolvimento humano?