
O Direito, como construção histórica e institucional, deveria ser uma ferramenta de aproximação entre o cidadão e a justiça. No entanto, sua linguagem técnica, rebuscada e, muitas vezes, hermética, cria um abismo entre os operadores do sistema e a sociedade civil. Quem nunca ouviu expressões como periculum in mora, preclusão, coisa julgada, e se sentiu completamente alheio àquilo que estava sendo decidido em seu nome?
Essa linguagem jurídica, embora seja importante para a precisão dos atos, também carrega uma função simbólica: delimita quem pode ou não participar das decisões e dos espaços de poder. Ela cria um campo de exclusividade, onde o saber jurídico se torna inacessível e, por isso mesmo, inquestionável. Isso afasta a população da compreensão de seus direitos e deveres, e reforça a dependência de intermediários — advogados, juízes e especialistas — como se o Direito fosse um universo fechado, onde só alguns têm a chave.
Habermas, em sua teoria do agir comunicativo, afirma que a legitimidade democrática se sustenta no diálogo racional e compreensível entre todos os membros da sociedade. Se o discurso jurídico não é compreendido por quem será diretamente afetado por ele, então há um rompimento da lógica democrática. Não se trata apenas de forma, mas de substância: quem não entende o que está sendo julgado, não participa efetivamente do processo de justiça.
Além disso, a linguagem do Direito, quando distante da realidade vivida pelas pessoas, também deixa de cumprir seu papel social. Torna-se uma linguagem autorreferente, incapaz de promover transformação ou inclusão. Como exigir que alguém reivindique um direito que sequer consegue compreender? Como esperar que o povo confie no Judiciário se não se sente parte dele?
Em um cenário onde o acesso à informação e à comunicação se tornou cada vez mais rápido e transparente, o Direito ainda caminha lentamente em direção à acessibilidade linguística. E isso não é apenas uma questão pedagógica — é uma exigência ética e democrática.
Será que a justiça é verdadeiramente democrática quando poucos compreendem a linguagem do Direito?



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