
Durante séculos, a autonomia da vontade foi o princípio central do Direito Contratual: pressupunha-se que as partes contratantes agem de forma livre e consciente, negociando os termos conforme seus interesses. Esse ideal está presente desde as origens do liberalismo jurídico e econômico e foi consolidado em códigos e doutrinas ao redor do mundo.
Contudo, na era digital, esse princípio sofre um duro golpe. A maior parte dos contratos celebrados atualmente, especialmente no ambiente virtual, não passa por um processo de negociação efetiva. Pelo contrário: são contratos de adesão, elaborados unilateralmente por grandes plataformas e aplicativos, nos famosos “termos de uso” ou “políticas de privacidade” que os usuários precisam aceitar para acessar serviços essenciais, muitas vezes sem sequer ler ou compreender
completamente as cláusulas.
A assimetria entre as partes é gritante: de um lado, gigantes tecnológicos com recursos para impor condições; de outro, consumidores e usuários sem poder real de barganha. Além disso, o design das plataformas e a urgência do acesso tornam a aceitação desses contratos quase automática, dissolvendo a possibilidade de uma escolha informada e livre.
Diante dessa nova configuração, cabe perguntar: a autonomia contratual, princípio clássico do Direito, ainda sobrevive ou se tornou uma mera ficção? Estaremos vivendo uma era em que a liberdade de contratar é apenas formal, encobrindo um modelo jurídico marcado pela imposição e pela falta de alternativas reais? Como o Direito deve responder a esse cenário: reforçando a proteção do consumidor, regulando mais fortemente as plataformas ou resgatando novos critérios de equilíbrio contratual?