A cidadania é, em teoria, o grande alicerce do Estado democrático de direito. É por meio dela que garantimos nossos direitos civis, políticos e sociais. Porém, é preciso ir além da ideia abstrata e perguntar: todos realmente vivem a cidadania de forma plena, ou ela tem se tornado apenas uma performance — um título formal que, na prática, não se sustenta?
No papel, todos os cidadãos são iguais perante a lei. Mas, na realidade, o acesso à educação de qualidade, saúde, segurança pública, justiça e participação política está longe de ser uniforme. Em comunidades periféricas, zonas rurais abandonadas ou mesmo dentro de grandes centros urbanos, há milhares de pessoas que vivem à margem da promessa de cidadania. A Constituição pode reconhecê-las como cidadãos, mas o Estado, muitas vezes, se ausenta em garantir o básico.
A Filosofia Política moderna já denunciava esse abismo. Hannah Arendt, por exemplo, refletiu sobre o “direito a ter direitos” — ou seja, a condição mínima para que alguém possa, de fato, exercer a cidadania. Em contextos onde o Estado falha em garantir as condições materiais para a dignidade humana, o conceito de cidadania se fragiliza. Ele vira apenas uma performance institucional: está ali no
discurso, nas cerimônias e nos documentos, mas ausente na vida concreta de milhões.
Além disso, existe uma distinção entre cidadania formal e cidadania substantiva. A primeira garante que a pessoa está registrada, pode votar, portar CPF e RG. A segunda exige muito mais: acesso real a políticas públicas, capacidade de se expressar politicamente, liberdade de existir em segurança e dignidade. É aí que o problema se instala. A cidadania virou, em muitos casos, um rótulo vazio.
O mais grave é que essa cidadania performática não é distribuída aleatoriamente. Ela tem cor, classe, território. E, enquanto o Direito insiste em tratar todos como iguais abstratamente, a Filosofia alerta para a urgência de considerar as desigualdades materiais. Só assim é possível sair da encenação democrática e caminhar para um modelo mais honesto, justo e efetivo.
Quando a cidadania se torna um rótulo vazio, ainda podemos chamá-la de direito?