Direito, biopolítica e o controle sobre os corpos

A partir das reflexões de Michel Foucault, a compreensão do Direito ultrapassa o limite clássico da regulação de condutas e contratos, para ser visto também como um instrumento fundamental de biopolítica — ou seja, como um meio pelo qual o Estado exerce controle sobre os corpos, as populações e as formas de vida.
Não se trata apenas do poder de proibir, mas de governar a vida: regular quem pode migrar, quem tem acesso à saúde, quem pode se reproduzir ou até quem merece proteção estatal. O biopoder é exercido por meio de políticas públicas, regulações sanitárias e normativas disciplinares que organizam o funcionamento social, muitas vezes sob a justificativa de segurança, saúde ou desenvolvimento.
A pandemia de Covid-19 evidenciou esse fenômeno de maneira dramática. Medidas como isolamento social, obrigatoriedade de máscaras e vacinação, restrições de circulação e controle de aglomerações demonstraram como o Direito e o Estado, em situações de crise, podem penetrar diretamente nas esferas mais íntimas da existência, restringindo liberdades individuais em nome de uma proteção coletiva.
Mas essa não é uma novidade exclusiva de tempos de crise sanitária. O Direito sempre atuou na gestão dos corpos, seja na delimitação dos direitos reprodutivos, no controle sobre a sexualidade, na definição de padrões estéticos ou na regulação da mobilidade humana.
Essa dimensão biopolítica do Direito suscita uma reflexão profunda: até que ponto as normas jurídicas que afirmam proteger a vida não acabam, paradoxalmente, servindo como mecanismos de vigilância, normalização e controle social? O Direito está efetivamente a serviço da proteção da vida ou, em nome dessa proteção, legitima formas cada vez mais sofisticadas de controle sobre os corpos?